O último truque de Bolsonaro não é exatamente o que você pensaria


por

Luis Gustavo Arruda

Companheiro de Conservação

Luis Gustavo é doutorando brasileiro no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP), com foco em políticas de educação ambiental, particularmente em relação às áreas naturais protegidas. É um dos organizadores do E-book "Sustentabilidade, administração pública e hortas escolares: perspectivas sobre a crise socioambiental" (2020), membro do Comitê Técnico de Segurança Alimentar da Associação Paulista de Gestores Ambientais (APGAM), coordenador da Comissão de Avaliação de Atividades do Clube Brasileiro de Saúde Planetária e Embaixador da Saúde Planetária pelo Grupo de Estudos em Saúde Planetária, com sede no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP). Ele também é o Coordenador de Comunicação e Conteúdo do portal online Extensão Natural (https://linktr.ee/extensao.natural), focado na disseminação do conhecimento científico sobre políticas de educação ambiental.

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27 de fevereiro de 2023

O último truque de Bolsonaro não é exatamente o que você pensaria

 

Apesar da vitória de Lula da Silva no último comício presidencial, o último mês da má administração de Bolsonaro pode impactar o Brasil por décadas

Imagine você mesmo: você finalmente conseguiu os fundos para realizar o projeto com o qual tem sonhado durante a última década. Estamos em dezembro, então você está procurando os melhores presentes para seus sobrinhos, planejando uma rápida viagem para ver sua família durante o Natal ou a passagem de ano. Portanto, você precisa do dinheiro que lhe foi prometido; mas, quando seu cheque de pagamento deve chegar, simplesmente não chega. 

Manifestante Guarani durante uma manifestação em Ubatuba, Brasil. O cartaz amarelo está escrito como "sem comida, gás de cozinha e emprego, Bolsonaro, a culpa é sua". Foto e legenda de Luis Gustavo Arruda.

Isto foi o que aconteceu com dezenas de milhares de estudantes de pós-graduação no Brasil em novembro de 2022. Em meio à emoção da Copa do Mundo, Jair Bolsonaro ratificou um decreto que suspendeu o financiamento dos ministérios da ciência e educação para seu último mês como presidente. Como ele conseguiu um orçamento público para comprar apoio do congresso para conceder sua reeleição, mais de 200 mil cientistas não poderão pagar aluguel nem estar presentes para suas famílias durante as férias; os mesmos cientistas responsáveis por quase 90% das publicações revisadas por pares no país. 

Procuradores caucasianos brasileiros em reunião na casa de oração, apoiando os Guaranis no processo de venda de créditos de carbono. Como é preciso ter um diploma de graduação para ser advogado, é incomum encontrar advogados indígenas apoiando seus parentes. Foto e legenda de Luis Gustavo Arruda

Iniciar uma carreira científica no Brasil é bastante difícil; embora existam universidades públicas bem conhecidas que oferecem cursos de graduação e pós-graduação gratuitamente, nem todos têm acesso a este caminho. Os exames de candidatura destas universidades, geralmente feitos logo após o ensino médio, exigem que os jovens tenham uma excelente educação básica, mais freqüentemente oferecida a pessoas que tiveram uma educação privada. Além disso, pessoas que não são vistas como caucasianas no Brasil estão desproporcionalmente ausentes nas escolas privadas de elite, o que explica sua absoluta sub-representação nas universidades públicas. 

No final de 2016, os programas de ajuda social começaram a exigir cotas para que não caucasianos tivessem acesso a cursos de graduação em universidades públicas. Como estas universidades estão focadas na pesquisa científica, um resultado previsível foi um aumento na demanda por cursos de pós-graduação; e aqui reside a questão principal. Não existe um programa social semelhante para estudantes não-caucasianos ingressarem em programas de mestrado ou doutorado, nem bolsas de estudos especiais caso eles realmente sejam admitidos.

A falsa paz. Em primeiro plano: um monumento representando a "Paz de Yperoig", que retrata o suposto momento em que os colonos portugueses e o povo Guarani ratificaram um tratado de paz. Antecedentes: A juventude Guarani em uma manifestação pedindo o reconhecimento da propriedade de suas terras sagradas. Foto e legenda por: Luis Gustavo Arruda

Dado o vasto conhecimento ecológico tradicional presente nas quase 250 culturas indígenas no Brasil, excluir o acesso desses povos a uma carreira científica é uma camada totalmente nova de etnocídio. Como candidato a PhD defunto, não basta exigir o pagamento imediato da renda de dezembro; o governo brasileiro deve exigir acesso eqüitativo aos cursos de pós-graduação, prover ajuste de inflação (acumulada em 60%, já que não foi reajustada desde 2013) e expandir a extensão dos programas de bolsas de estudo. 

Além da má administração de Bolsonaro e das promessas de campanha de Lula da Silva, os compromissos planetários, como as Metas de Desenvolvimento Sustentável da ONU, promovem o fornecimento de recursos financeiros aos países subdesenvolvidos(meta 13.a). Muito mais próximo de aguardar decisões presidenciais, isto poderia ser implementado diretamente como acordos de cooperação bilateral entre acadêmicos.

Se você não está em uma universidade, mas se sente apaixonado por este tópico, você poderia doar diretamente para projetos de financiamento de multidões, tais como os Detectives de Alimentos: um projeto educacional focado no ensino através da ciência cidadã, proporcionando um monitoramento contínuo do status de segurança nutricional nos bairros das escolas públicas. Com uma pequena doação de US$ 4,00 podemos entregar materiais educacionais a uma criança em qualquer lugar do Brasil.

Como sofremos uma paz falsa através da herança colonialista profunda no Brasil, nossa solidariedade é o que sempre transformou o mundo, e continuará a construir uma sociedade que se encaixa nos mundos únicos de todos.

 

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