Podemos aprender com nossos erros? Uma história de duas florestas


por

Miguel Monteiro

Companheiro de Conservação

Miguel é um conservacionista apaixonado baseado no Brasil que tem se dedicado inteiramente à conservação da vida selvagem nas florestas tropicais. Depois de se formar no Rio de Janeiro, ele se mudou para uma pequena cidade nas profundezas da Amazônia para começar a trabalhar no Instituto Mamirauá, uma organização social que desenvolve projetos de pesquisa e conservação junto com as comunidades locais. Ele teve experiência trabalhando com armadilhas para câmeras, mas nos últimos anos tem feito pesquisas sobre conflitos entre homem e vida selvagem envolvendo onças-pintadas e comunidades tradicionais na Amazônia.

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13 de maio de 2021

Podemos aprender com nossos erros? Uma história de duas florestas

 

Estive imerso em fragmentos de floresta meio vazia, rodeado de concreto ou pastagens, durante a maior parte da minha vida. A outrora próspera Mata Atlântica ao longo da costa brasileira foi queimada e destruída ao longo de séculos de desenvolvimento, deixando para trás principalmente pequenos fragmentos de floresta degradados que representam menos de 30% de sua extensão original. Entretanto, uma incrível quantidade de vida selvagem ainda persiste no que foi uma luta constante pela sobrevivência neste hotspot de biodiversidade. Atualmente, o desmatamento tem diminuído na Mata Atlântica, e os esforços de reconstrução e restauração estão em curso. Entretanto, a destruição de nossas florestas não diminuiu, apenas se deslocou. A Floresta Amazônica, a região mais biodiversa do planeta, tem sido o alvo do Brasil para a pecuária e a expansão agrícola ao longo das últimas décadas.

A selva mística do Parque Nacional da Serra do Divisor, no oeste do Brasil, se estende muito além do horizonte e até o Peru. Nesta região, as florestas planas de planície da Amazônia se elevam para se encontrar com a Cordilheira dos Andes, abrigando uma quantidade incrível de biodiversidade.

Quando cheguei a trabalhar na Amazônia há mais de dois anos, longe de onde ocorre a maior parte do desmatamento, fiquei maravilhado com os trechos de floresta aparentemente infinitos ao meu redor, uma cena que nunca havia presenciado enquanto trabalhava na Mata Atlântica. Sem cidades ou pastos ao redor, apenas vegetação verde exuberante. Por um momento, senti-me como se tivesse sido transportado de volta no tempo para uma época em que as florestas primitivas eram abundantes e a crise ambiental que vemos hoje era um futuro inimaginável. Uma mistura de excitação e tristeza tomou conta de mim, pois pude visualizar como a Mata Atlântica deve ter sido há centenas de anos atrás, com árvores imponentes repletas de vida selvagem.

Este sapo venenoso de três listras(Ameerega trivittata) entrou silenciosamente em nosso acampamento, curiosamente me observando enquanto eu tirava sua foto. Provavelmente nunca havia visto um ser humano antes, já que esta área do Parque Nacional da Serra do Divisor tem muito pouca atividade humana.

No final de 2019, participei de uma expedição científica ao Parque Nacional da Serra do Divisor, uma área protegida em grande parte inexplorada na fronteira entre o Peru e o Brasil, para explorar a biodiversidade do parque e realizar inventários de espécies. A selva se estendeu até onde os olhos podem ver, e novas espécies de vida selvagem e comunidades indígenas não contatadas estavam em algum lugar dentro da imensidão esmeralda.

O menor dos macacos do Novo Mundo e um dos menores do mundo, o titismo pigmeu(Cebuella pygmaea) é uma das 14 espécies diferentes de primatas que podem ser encontrados entre as árvores do Parque Nacional da Serra do Divisor.

Entretanto, para meu desespero, pesquisadores locais nos disseram que o governo tinha planos de rebaixar o parque nacional para uma "área de proteção ambiental", o que essencialmente o despoja de sua proteção legal e o abre para o desenvolvimento. Seu plano é construir uma rodovia ligando o estado brasileiro do Acre, onde está localizado o parque nacional, à cidade peruana de Pucallpa. O impacto ambiental de tal empreendimento seria tremendo e incalculável. Tudo o que pude pensar foi que se mesmo uma remota e imaculada área de floresta está sob ameaça, a Amazônia como um todo está verdadeiramente sitiada.

Com sua exibição extravagante de penas, este papa-moscas real amazônico (Onychorhynchus coronatus) foi capturado em uma rede de névoa por pesquisadores que estavam catalogando as espécies de aves encontradas no Parque Nacional da Serra do Divisor.

Mais uma vez me lembro das florestas de volta para casa. Embora ainda haja esperança de evitar o completo desaparecimento da Mata Atlântica, muitas espécies foram perdidas pelo caminho, juntamente com culturas e meios de subsistência inteiros. O desmatamento na Amazônia está chegando a um ponto sem retorno, onde os impactos de nossas ações podem se tornar irreversíveis. Se medidas críticas como a promoção de técnicas agrícolas mais sustentáveis e a redução do consumo de carne não forem implementadas para deter a destruição da maior floresta tropical do mundo, a Amazônia está destinada a percorrer o mesmo caminho doloroso que a Mata Atlântica. No entanto, não precisa ser assim. Vamos aprender com os erros que foram cometidos quando a Mata Atlântica estava sendo devastada, a fim de evitar o colapso das florestas que ainda permanecem de pé.

 

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